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Sabado magazine
Lisbon, 30th November 2010
By Andre Barbosa

English translation coming soon.

Tony Giles
Depois de ter estado nos EUA a fazer uma pós-graduação, este britânico, cego e com apenas 20% de audição, ganhou o gosta pelas viagens. Já visitou mais de 50 países e acaba de publicar um livro sobre como é ver o mundo sem o ver.

“Como sou cego no bungee jumping não via o precipício”

Passa a vida a viajar, quer ir a todos os países do Mundo e já praticou alguns do desportos mais radicais, como rafting e skydiving. Detalhe: não vê nada, quase não ouve e já fez um transplante de rim.

“Como é que vai o Benfica”?, pergunta Tony Giles no fim de entrevista. O viajante de 32 anos falou com a SÁBADO pelo Skype e conseguiu ouvir a reposta graças a um aparelho digital que lhe amplifica a audição. A webcam é dispensável: Tony e cego desde os 9 meses, quando lhe diognasticaram distrofia de cones e fotofobia. Sente o mundo sobretudo com o tacto e com o olfacto. Acaba de lançar o livro Seeing the World My Way (Ver o mundo à minha maneira) e prepara mãos dos sobre as suas aventuras em viagens. Já foi roubado e correu risco de vida, mas não desiste de visitar todos os países do planeta.

Que recordações guarda de Portugal?
Estive em Lisboa há dois anos, uns três dias. Lembro-me de uma noite louca de maratona de bares. Estive num bairro com ruas estreitas e juntei-me um grupo de jovens portugueses que bebiam cerveja e fumavam marijuana [não se lembra se foi no Bairro Alto]. Depois, apanhei um autocarro para Lagos, onde fiquei num hostel de um português que tinha vivido 20 anos nos EUA e fazia panquecas todos a manhãs. Noutro dia, fui para Faro com quatro surfistas. Era Janeiro mas o tempo estava bom e as pessoas foram amigáveis.

Porque é que com a comida quando viaja?
Passo muito tempo a comer arroz e feijão enlatado, porque chego a andar 40 horas em autocarros. Mas também provo pratos típicos locais. Comi impala em África, baleia na Islândia e uma pasta estranha chamada vegemite [feita de extracto de levedura de cerveja] que os australianos usam em tudo.

Como é que paga as viagens?
Recebo uma pensão pela morte do meu pai, desde 1995. Não tenho emprego.

Já foi assaltado?
Sim. Uma vez, no Canadá, estava a acampar sozinho numa floresta e quando regressei à tenda percebi que ma tinham roubado. Fui para a berma de estrada e um carro parou: era um tipo que vendia pizza ali no meio do nada. Procurou a minha tenda e também não e encontrou. Levou-me para um albergue dos sem-abrigo do Exército da Salvação, onde passei uma noite. Em Barcelona, o meu cartão de credito foi clonado e gastaram-me 1.600 euros em compras na Austrália. Voltei para o Reino Unido, onde o banco me devolveu o dinheiro.

Já tirou proveito do facto de ser cego?
Ó meu Deus, sim! Quando as pessoas se apercebam de que sou cego, baixam as guardas e as mulheres não sentem que as vejo como objecto sexual. Num Hooters [cadeia de restaurantes famosa pela forma provocante como as empregadas se vestem], na Carolina do Sul, uma empregada perguntou-me se conseguia ver. Disse-lhe que não, e tornou–se outra. Perguntei-lhe as medidas e ela deixou-me apalpá-la. No fim deu-me um abraço tão apertado que consegui sentir-lhe bem os seios. Em Moçambique e na Turquia recusaram-me o pagamento do alojamento. Na Islândia, só tinha um papel rasgado de um jornal com a morada de um restaurante, e o motorista do autocarro levou-me de propósito ao local.

Já sofreu acidentes?
No metro de Nova Iorque, escorreguei e fiquei com uma perna presa à porta. Em Tbilissi [capital da Geórgia] há buracos a cada metro. Devo ter caído em 20, numa só semana. Na Zâmbia quase morria afogado a fazer rafting. Tinha um colete salva-vidas, consegui virar–me de costas e deixei-me levar. Também há muita gente que se aproveita do facto de eu ser cego, especialmente taxistas. Já me aconteceu darem-me trocos e câmbios errados na fronteira e deve ter havido outros momentos do género, mas estava inconsciente por causa do álcool.

Esteve quase a tornar-se alcoólico depois da morte do seu pai e do seu melhor amigo. Porquê?
Atingi um ponto na minha vida, entre 1999 e 2002, em que não queria saber de nada. Fazia tudo em excesso, viajava em excesso, bebia em excesso. Fumei marijuana e estive muito perto de consumir cocaína. Felizmente, o meu ultimo charro foi em Copacabana, no Rio de Janeiro. Depois pensei no que o meu pai, que morreu de distrofia muscular, tinha conseguido fazer com a sua deficiência. Tentei viver como ele viveu. Viajar e beber e perigoso: cheguei a acordar em dormitórios diferentes na Austrália.

Já foram rudes consigo?
Sim. Em Savannah [EUA] o gerente de um hostel recusou-se a deixa-me ficar lá, simplesmente por ser cego. Disse-me que não me queria lá, que era muito perigoso e que havia sítios mais indicados para pessoas come eu. Nunca me aconteceu nada disso noutra parte de mundo.

Como planeia as viagens?
Consulto a Internet [com um software próprio] e tenho mapas tácteis de todos os continentes. Normalmente, reservo o primeiro hostel que encontro. O meu objectivo é ir a todos os países do mundo e procuro locais onde possa ir a três ou quatro países de uma só vez. Chego a ficar 10 semanas em viagem, depois tenho de voltar a casa para receber medicação [fez um transplante de rim em 2008]. Ando de comboio, barco e sobretudo autocarro, porque a sensação de movimento é óptima, é assim que sinto as formas do país, através de curvas, montanhas e rectas.

Já fez bungee jumping e skydiving, que diz ser melhor do que sexo.
Bom, mudei a minha opinião depois de conhecer a minha namorada. Fiz skydiving na Austrália e na África da Sul e bungee jumping na Nova Zelândia e nu Suíça. Mas o mais radical era fazer essas actividades depois de ter bebido. No entanto, tive uma vantagem: como sou cego não conseguia ver o fundo do precipícios.

As sua histórias também são sobre sexo. Com quantas mulheres se envolveu nas viagens?
Talvez com quatro ou cinco raparigas, essencialmente prostitutas. Mas na minha última noite em Queenstown, na Nova Zelândia, conheci uma rapariga num bar e acabámos enrolados na relva junto a um lago. No Vietname conheci uma prostituta quando ia a caminho de casa, ela vinha numa moto e disse-me que fazia o serviço. Acabei por lhe pagar 10 libras [11,8 euros]. No Brasil, aconteceu próximo de um hostel onde fiquei. Toda a gente me falava nas mulheres brasileiras e quis experimentar. Foi a melhore de todas.

Agora tem namorada. Como a conheceu?
Uma jornalista grega viu o meu site e escreveu um artigo sobre mim. A minha namorada recebeu a newsletter com a notícia e enviou-me um email dizendo que também era cega. Ficámos amigos à distância. Quando estive na Turquia, aproveitei e fui à Grécia. Encontrámo-nos, jantámos e fiquei em casa dela. Estamos juntos há um ano, mas é complicado porque ela está a trabalhar como recepcionista de um hospital e a estudar italiano. Já estivemos juntos em Inglaterra e visitámos várias ilhas gregas.

Onde vai a seguir?
Pela primeira vez em três anos, vou passar o Natal em casa, com a minha mãe. Depois quero ir à Argentina e a Antárctida, o único continente onde nunca estive. E ao Japão, Colômbia e Índia, onde encontrarei com certeza muitos ruídos e cheiros.

Como e que contempla uma vista panorâmica?
Peço que me descrevam o que estão a ver e tenho a minha visão única do sítio, através de sensação de profundidade e dos sons. Sinto-o no minha pele, no meu corpo, mas não consigo explicar essa sensação. Quando fui ao topo de Torre Eiffel, subi ao máximo permitido. Subir e uma parte da experiencia, sentir as alturas. Tive a sensação de estar numa estrutura oca.